domingo, 23 de agosto de 2009

Que ciência é essa?

José Herculano Pires
Encarando-o por uma perspectiva puramente cultural, o Espitismo é filho da era científica. No plano religioso, ele se apresenta como o desenvolvimento histórico do Cristianismo. Numa visão espiritual, é a III Revelação do processo judeu-cristão, prometida pulo próprio Cristo, para quando os homens estivessem em condições de compreendê-lo.


Esta colocação do problema espírita é suficiente para mostrar sua complexidade e, ao mesmo tempo, revelar a leviandade dos que procuram denegrí-lo sem o conhecer. Proponho-me a tratar aqui do problema específico da Ciência Espírita, essa desconhecida. Mas, como é natural em se tratando de doutrina tão complexa e admiravelmente estruturada, serei obrigado, de vez em quando, a me referir aos problemas de outras áreas, que se ligam à questão científica.

Muitas pessoas me perguntam, quando me refiro a essa questão: "Que ciência é essa?" Em geral, considera-se o espiritsmo como uma espécie de seita religiosa. Entre os próprios espíritas, fala-se muito em Ciência Espírita, mas ninguém sabe explicar do que se trata. É natural que isso aconteça, num país em que só agora o nível cultural do povo está se elevando, o que não permitiu o real desenvolvimento dos estudos espíritas, sempre realizados de maneira canhestra, sem o método e o rigor ncessários. Mas, o tempo chegou, e nele estamos, em que as imprecisões e as confusões devem ser superadas o mais depressa possível.

Não tenho a pretensão de ser mestre no assunto, mas estou seguro de conhecê-lo o suficiente para corresponder à confiança do amigos do Jornal Espírita, que me convidaram a tratar do assunto. Tudo farei para acertar e me considerarei muito feliz, se os leitores quiserem me ajudar com suas sugestões e suas correções, no caso de algum deslize. No Espiritismo, somos todos aprendizes e devemos ajudar-nos mutuamente, sem vaidade e sem melindres, se quisermos tocar com a ponta dos dedos a fimbria da túnica da Verdade. Vamos aos fatos.

Parece-me bastante clara a posição de Kardec, ao afirmar que as Ciências, até o seu tempo, só tratavam de questões materiais, deixando às religiões os problemas espirituais. Essa anomalia chegou até os nossos dias, apoiada em pressupostos filosóficos, como os do criticismo de Kant, que negavam a possibilidade de conhecermos racionalmente as questões fundamentais do espírito. Mas agora, as coisas se modificaram, diante dos resultados surpreendentes do avanço científico do nosso século. E o importante é que esses resultados confirmam o acerto de Kardec, ao tratar da necessidade de uma Ciência do Espírito que, segundo ele afirmava, deve andar de mãos dadas com a Ciência da Matéria.

A lógica de Kardec é irretorquível. Toda a realidade que conhecemos decorre de um processo dialético produzido pela relação constante e a universal interação de espírito e matéria. Nada é só espírito e nada é só matéria. Desde o átomo até às galaxias, às constelações no Infinito, o Universo conhecido se apresenta como o resultadoda ação do espírito sobre a matéria e da reação desta sobre aquele. É um equívoco a luta ideológica entre Materialismo e Espiritualismo. A Ciência, no pleno sentido do termo, não pode limitar-se apenas a um dos aspectos da realidade.

Essa posição de Kardec seria suficiente para mostrar a grandeza do seu gênio, mas os homens de ciência, apegados a uma terminologia rígida, entenderam que Kardec se enganava, tomando o que chamavam de força ou energia por espírito, além disso, convencidos de que os problemas espirituais pertenciam ao passado supersticioso da humanidade, revoltaram-se com a pretensão de Kardec e passaram a tratá-lo como um visionário.

Um século depois, vemos a Ciência da Matéria tocando, com os dedos trêmulos de Tomé, as chagas da verdade crucificada, que ressuscita em seu corpo espiritual. Naturalmente, há resistência no campo científico e os sabichões (como Richet os classificou) continuarão ainda por muito tempo a bater a cabeça contra o muro da evidência. Mas, o número de cientistas que aceitam hoje a tese de Kardec (mesmo sem conhecê-la) aumenta sem cessar em todo o mundo, até mesmo as áreas do materialismo estatal. Chegará o momento, já bem próximo, em que os sabichões também terão de curvar-se ante a verdade evidente.

A Ciência Espírita não tem por finalidade combater ou superar a Ciência da Matéria, mas apenas dar-lhe as mãos para um trabalho em conjunto. As questões científicas não se resolvem com palavras, através da pesquisa. E a pesquisa científica não pode furtar-se à realidade dos seus próprios resultados.

As conquistas mais recentes da pesquisa científica material levaram a cultura do século a uma encruzilhada decisiva. O fantasma do Espiritismo, que só assustava as religiões, está agora transformando os laboratórios científicos em casas mal-assombradas. Mas, como os cientístas em geral não acreditam em assombrações, nem tem o Diabo, é de esperar-se que o fantasma seja bem sucedido nessas incursões. Os verdadeiros cientistas acabarão fazendo-se amigos e companheiros desse intrujão. Como previu Sir Oliver Lodge, homens e espíritos passarão a trabalhar juntos.

Artigo de J. Herculano Pires, publicado no Jornal Espírita, edição nº 1, de julho de 1975.

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