quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O velho problema da felicidade

Kardec indaga aos Espíritos se "Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra.” Os Benfeitores respondem: “Não, por isso que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Dele, porém, depende a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra."[1]
Experimentamos momentos decisivos a cada instante da vida. Não podemos esperar outro clima de luta, nem outro lugar de batalha, senão aquele com o qual nos defrontamos, resultado das nossas realizações do presente e do passado. “O problema da felicidade pessoal nunca será resolvido pela fuga ao processo reparador”.[2] As dores deixam marcas, porém, lembremos que “o lutador que não traz a cicatriz da batalha, ao receber quaisquer condecorações externas, não é vitorioso!'[3] Portanto, sofrer também compõe as linhas do currículo humano. A felicidade é uma resultante da vitória na refrega.
Não podemos esquecer que a Terra é um mundo de expiações e provas. Por isso, a felicidade total não se encontra aqui no Planeta, mas em mundos mais evoluídos. Em nosso Orbe a felicidade é relativa, consoante diz o item 20, capítulo V (Bem-aventurados os aflitos), em “O Evangelho segundo o Espiritismo”.[4]
A felicidade reside na paz da consciência tranqüila do dever cumprido e, amando indistintamente o próximo, sem qualquer expectativa de recompensa pelo bem praticado, estaremos cumprindo o importante e inesquecível mandamento de Jesus Cristo: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”.[5] Quando esta máxima for cumprida, certamente a Terra estará transformada e, conseqüentemente, usufruiremos a felicidade de um mundo melhor.
A felicidade depende, exclusivamente, de cada criatura. Brota da sua intimidade, depende de seu interior, como ensinou o doce Mestre Galileu: “o reino dos céus está dentro de vós.”[6] Portanto, a verdadeira felicidade reside na conquista dos tesouros imperecíveis da alma.
Estabelecendo, conforme o Eclesiastes, que a verdadeira "felicidade não é deste mundo"[7], Jesus preconizou que o homem deve viver no mundo sem pertencer a ele, facultando-lhe o autodescobrimento para superar o instinto e sublimá-lo com as conquistas da razão, a fim de planar nas asas da angelitude.
A felicidade se expressa no bem que se faz ao próximo. Quando o “eu” egoísta de cada ser tiver cedido lugar ao amor pelo seu semelhante, iremos presenciar uma comunidade equilibrada, harmônica e feliz. “A alegria de fazer feliz é a felicidade em forma de alegria”.[8]
Na Grécia clássica, o filósofo Epicuro procurou demonstrar que a sabedoria é, verdadeiramente, a chave da felicidade. Antes dele, Diógenes, cognominado “O Cínico”, estabelecia que o homem deve desdenhar todas as leis, exceto as da Natureza, vivendo de acordo com a própria consciência e com total desprezo pelas convenções humanas e sociais.  Entre os pensadores gregos, Sócrates, considerado o pai da ciência moral, em sua dialética a expressar-se, não raro de forma irônica, combatia os males que os homens fomentam para gozarem de benefícios imediatos, objetivando, com essa atitude de reta conduta, o bem geral, a felicidade comunitária.
Para a filósofa Dulce Critelli, “confundir felicidade com desejo é um escorregão herdado do estoicismo e do epicurismo, as primeiras escolas filosóficas a pensar a moral de forma individual. Desde então, muitas pessoas acreditam que a felicidade está na satisfação do prazer. Por isso, a roupa de grife, a cirurgia plástica e o carro do ano são tão valorizados. Antes, admirávamos pessoas honradas e generosas” .[9] “Não é feliz o homem em possuir ou deixar de possuir, mas pela forma como possui ou como encara a falta de posse.”[10]
Segundo Joanna de Angelis, “depois da Segunda Guerra Mundial o existencialismo reconduziu o homem à caverna, fazendo-o mergulhar nos subterrâneos das grandes metrópoles e ali entregando-se à fuga da consciência e da razão pelo prazer, numa atitude de desconsideração pela vida, alucinado pelo gozo imediato”.[11]
“O estágio atual de evolução espiritual média do ser humano não lhe garante ausência total de sentimentos de ódio, inveja, rancor, egoísmo e de atitudes compatíveis com esses sentimentos.”[12]
Em uma sociedade onde o homem fosse consciente da vontade de Deus, isto é, da prática do bem, não haveria violência, drogas, seqüestros, prostituição, poligamia, traição, inveja, racismo, inimizades, tristeza, fome, ganância e guerras; e mais, não encontraríamos pessoas perambulando pelas ruas, embriagadas, sujas, cabelos desgrenhados, roupas ensebadas, catando coisas no lixo ou esmolando, em razão de quedas morais.
Sabemos que os psiquiatras, psicanalistas e psicólogos auferem, por seus serviços, significativa remuneração, porque estão com suas agendas lotadas, atendendo pacientes que, em sua grande maioria, sofrem do “mal do século”: a depressão. Existe, à disposição dos profissionais autorizados, uma infinidade de comprimidos como, por exemplo: as pílulas para emagrecimento, as do sono (benzodiazepínicos), calmantes (ansiolíticos), excitantes, etc. Propagam essas drogas como se elas fossem a solução para todos os males. Para o psiquiatra Roberto Shinyashiki, "o mundo exige que as pessoas estejam permanentemente alegres e, por isso, ele se tornou o paraíso das drogas e do Prozac". Para Shinyashiki, o importante é ouvir a própria consciência em vez de buscar os aplausos dos outros.”[13]... Astrólogos, esotéricos e embusteiros de toda sorte, também enriquecem às custas da ingenuidade alheia, fomentando a ilusão de uma fórmula mágica para a felicidade. Esquecem-se de que grande parte das angústias humanas tem, como causa, a falta de religiosidade.
“A depressão é dez vezes mais freqüente, hoje, do que era em 1960. Ela também ataca cada vez mais cedo. Acredito que o que aconteceu foi um excesso de confiança nos atalhos que prometem a felicidade imediata: drogas, consumismo e sexo casual, entre outros exemplos. Tudo isso é fruto do narcisismo. E o narcisismo pode levar à depressão. Preocupar-se demais consigo próprio só faz intensificar tendências depressivas. Os profissionais da auto-ajuda vivem apregoando que todo mundo deve ‘entrar em contato com seus sentimentos’. Ora, há limite para isso. Talvez fôssemos mais felizes se nos preocupássemos mais com o outro”.[14]
Cremos que as teorias atuais sobre o bem-estar em Psicologia e Economia estão, ainda, a desejar. Urge que novas propostas teóricas interpretem a felicidade em termos de valores mais duradouros. Tais dados comprovarão a assertiva dos Espíritos e do Evangelho de que os bens materiais não trazem felicidade.  A felicidade não é resultante de privilégios biogenéticos e de personalidade, nem mesmo pode ser adquirida pela obtenção de um bem de consumo.
Desfrutamos de uma realidade tecnológica que, num passado recente, era impossível imaginarmos, exceto nos filmes de ficção. Recordo-me do início da década de 70, quando não havia como pensar em fornos de microondas, aparelhos de videocassete, telefones celulares, microcomputadores, cartões magnéticos, e, principalmente, a Internet. No entanto, atualmente, são recursos comuns.
Os programas de televisão, de qualidade dúbia, tornaram-se os preceptores dos nossos filhos. As novelas impõem a moda, invertem os valores éticos da vida real, deturpam consciências, transformam cabeças, e mudam culturas. Folhetins instigam muita alegria ruidosa, incontáveis expressões festivas, exibição de gozos, mas muito pouca harmonia nos telespectadores.
Cremos que os pequeninos sacrifícios em família formam a base da felicidade no lar. O Professor da Universidade da Virgínia (EUA), Jonathan Haidt, em seu livro “The Happiness Hypothesis”, escreveu: “a família e os amigos são mais relevantes do que o dinheiro e a beleza. Uma condição que nos torna felizes é a capacidade de nos relacionarmos e estabelecermos laços com os demais."[15]
Ter um princípio religioso propicia não apenas viver por mais tempo, mas como se sentir mais feliz do que os contumazes agnósticos e ateus. "A religião dá a esperança de que tudo vai melhorar, mesmo que seja após a morte. Ela conforta"[16], explica o cientista da religião Frank Usarski, da PUC de São Paulo, autor do best-seller “Sucesso é ser feliz.”
O Espiritismo nos dá suporte moral e outras diversas motivações, revelando-nos a imortalidade, a reencarnação e a lei de causa e efeito. Explica-nos que a felicidade é possível e que se constrói no dia-a-dia pelo esforço continuado, fortalecendo-nos para a luta contra as nossas tendências inferiores.
Desenvolvamos, pois, o hábito de colocar espiritualidade em nossa vida. Aprendamos a observar o mundo pela ótica do espírito e sejamos felizes, compreendendo a vida como um dom de Deus.
O autor, Jorge Hessen é Licenciado em Estudos Sociais, Bacharel em História, Escritor, Jornalista e Articulista com vários artigos publicados na Revista "O Médium" de Juiz de Fora-MG, "Reformador"da FEB, "O Espírita" de Brasília, do "Jornal da Federação de Mato Grosso" e do Jornal da Federação do Distrito Federal", http://jorgehessen.net/

FONTE:
[1] idem
[2] Xavier Francisco Cândido. Fonte Viva,  Ditado pelo Espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB,
[3] Franco, Divaldo Pereira. Compromissos Iluminativos – Ditado pelo Espírito Bezerra de Menezes  Ba: Ed Leal, 2004
[4] Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, RJ: Ed FEB , 2003, item 20, Cap V
[5] (Jo 15, 12).
[6] (Lucas 17:20-21).
[7] (Ec 6:1-5)
[8] Franco, Divaldo Pereira. Estudos Espíritas  – Ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis , RJ: ED FEB, 1971
[9] Cf. Istoé on line (13/09/2006) in Segredos da Felicidade
[10] Franco, Divaldo Pereira. Estudos Espíritas  – Ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis, RJ: ED FEB, 1971
[11] idem
[12] Fonte: Jornal Mundo Espírita – Jan/1998/artigo de Nilson Ricetti Xavier Nazareno
[13] idem
[14] Martin Seligman, de 61 anos, professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos e também ex-presidente da Associação Americana de Psicologia
[15] idem
[16] idem