segunda-feira, 17 de novembro de 2008

À sua maneira, jovens cultivam fé

Publicado dia 16/11/2008 na Revista do Instituto Humanitas Unisinos, disponível no endereço: http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18283

Há seis anos, Valentim, de 20 anos, criado em família católica, é budista. São da mesma época os primeiros passos de Fany, de 27, no xamanismo e nos rituais do Santo Daime. Seu namorado, Gabriel, de 20, também segue as duas religiões, além de ser adepto do rastafarianismo - a mesma religião de Bob Marley (1945-1981). Wellington, de 21 anos, passou a freqüentar a igreja evangélica Bola de Neve há dois anos, após ser convencido por um vizinho. Eles podem divergir quanto a crença, mas estão unidos por viverem a fé em seu cotidiano.
A reportagem é de Emilio Sant’Anna e Simone Iwasso e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-11-2008.
A trajetória dos quatro jovens contraria o senso comum que atribui a essa fase da vida uma postura individualista e pouco interessada em qualquer forma de religiosidade. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e do Instituto Polis, realizada em sete regiões metropolitanas (Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo), já identificava isso em 2005.
O comportamento de mais de 8 mil jovens diante de assuntos como religião e política foi analisado para se traçar um perfil dessa população. Nesse universo, a participação em grupos é vivida por 28,1%, a maior parte pertencentes às classes A e B. A religião é o principal motivo que os une (42,5%), seguida por atividades esportivas (32,5%) e artísticas (26,9%).
A forma como os jovens vivem a religiosidade, no entanto, chama a atenção. “Essa é uma geração que experimenta mais, entra e sai das religiões com facilidade”, diz a antropóloga e pesquisadora do Ibase, Regina Novaes. “Muitas vezes, a procura leva a uma mistura de crenças pois eles se sentem mais livres para procurar um lugar em que se sintam bem.”
A vivência familiar é uma das explicações para a flexibilidade da fé. “Essa geração vem de famílias plurirreligiosas, o que é uma novidade”, explica Regina.
Valentim Conde Fernandes, 20 anos, tinha tudo para ser católico. A avó o levou para a igreja, a mãe freqüentava grupos de oração. Porém, aos 14 anos, o jovem começou a se interessar pelo budismo.
O interesse cresceu a ponto de se tornar voluntário no Templo Zu Lai, em Cotia, na grande São Paulo. Nesse fim de semana, Valentim viajou para o Rio. O destino: um retiro espiritual.
Seis anos após se converter, a família de Valentim também mudou. Aceita a religião do filho e seu objetivo: ingressar na Universidade Livre Budista e depois continuar seus estudos em Taiwan para se tornar monge. “O budismo foi fundamental para eu me entender melhor e para que eu não fosse mais uma pessoa mentindo para si mesma”, diz ele.
CRENTES
Uma pesquisa feita neste ano por um grupo conduzido pelo teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com cerca de 1.500 universitários paulistas de 17 a 25 anos reflete a tendência dos jovens buscarem sua própria fé. O estudo mostrou que 20% dos entrevistados se declaram crentes sem religião. Ou seja, estavam ligados a práticas religiosas, sem serem filiados a nenhuma delas. “É comum ouvir dizer que a juventude perdeu as crenças, mergulhou no niilismo, no consumismo e no individualismo e abandonou as práticas religiosas. No entanto, a pesquisa descobriu que, pelo contrário, o jovem cultiva intensa religiosidade, que se integra em sua vida”, afirma o teólogo.
Os dados encontrados pelo professor vão ao encontro dos últimos dados disponíveis do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelo último censo, há três grandes mudanças em curso na religiosidade do brasileiro, e das quais os jovens até 24 anos fazem parte: queda no número de católicos, crescimento de evangélicos e aumento de pessoas que não se identificam com nenhuma religião tradicional.
Pouco tradicional é uma definição para as crenças do casal de namorados Fany Carolina de Castro Matriccioni, de 27 anos, e o namorado Gabriel Santana, de 21. Fany além de seguir o xamanismo - religião que une os conhecimentos ancestrais de povos indígenas e representações de seres míticos e animais - também freqüenta sessões do Santo Daime, seita que ficou conhecida pelo uso da ayahuasca, planta nativa da região amazônica.
Gabriel compartilha das duas crenças, mas também é seguidor do rastafári, crença fortemente influenciada pelo judaísmo e cristianismo. Entre seus preceitos estão o vegetarianismo e a proibição de cortar o cabelo, trançado em forma de dreadlocks. Para os rastas o uso da maconha é sagrado. “A maconha é usada como consagração. O que é banal para uns é sagrado para outros”, explica Gabriel.
CLASSE SOCIAL
Apesar da liberdade para definir sua fé, a classe social ainda é um fator importante na escolha e na forma como os jovens encaram as religiões. Enquanto os de classe mais baixa estão mais propensos a seguir as igrejas pentecostais, os jovens das classes média e alta parecem mais livres e interessados em crenças pouco ortodoxas para os padrões do brasileiro. “São os crentes sem religião, ou os agnósticos, como muitos se definem. Levam mais em conta a fé e a espiritualidade do que as instituições religiosas. Entre jovens com maior acesso à educação e a bens culturais, esse perfil aparece com maior freqüência”, diz Ribeiro.
Para o cientista político Cesar Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), há um núcleo de jovens urbanos e de classes média e alta que se encaixa nesse deslocamento das religiões tradicionais. No entanto, ele alerta que, seguindo a tendência da população em geral, o jovem das periferias das grandes cidades tende a trocar o catolicismo pelas igrejas evangélicas. “São as evangélicas neopentecostais que estão atraindo esses jovens da periferia, que se mostram presentes onde há falhas na oferta de serviços por parte do Estado, e onde a Igreja Católica não chega”, analisa.
No mapa da religião em São Paulo, traçado pelo pesquisador da PUC-Rio a partir dos dados do IBGE, a divisão fica clara: o centro expandido e a zona oeste são majoritariamente católicos (cerca de 83% da população), há bairros isolados, como a Liberdade, onde prevalece o budismo, e a zona leste é em sua grande maioria evangélica. “A moral rígida das evangélicas neopentecostais e pentecostais, como Assembléia de Deus, acaba sendo um porto seguro para as pessoas que se sentem inseguras em meio à falta de infra-estrutura e acesso a bens das periferias”, afirma Jacob.
O motoboy Wellington Silva de Oliveira Sanchez, de 21 anos, passou a freqüentar a igreja evangélica Bola de Neve, conhecida por reunir entre seus fiéis um número grande de jovens e surfistas, depois que um vizinho fez comentários sobre os cultos. “Ele falava que encontrava forças lá, que saía diferente depois do culto”, conta. “Fiquei curioso, pensei que, se fosse tão bom assim, eu também queria isso”, diz. Desde a primeira visita, já se passaram dois anos - a igreja existe há cerca de dez. “Vou toda semana, depois que largo o trabalho. Conheci minha namorada lá também.”

Um comentário:

  1. Lendo o artigo, creio seja interessante refletir sobre as ações que os Centros Espíritas podem tomar para trabalhar com os jovens.
    Inseri a reportagem mesmo não trazendo nenhuma alusão ao Espiritismo, que sabemos desperta o interesse de uma grande parcela dos jovens, pois o tema é importante e necessário que haja a discussão.

    Ronaldo São Romão Sanches
    Campo Grande-MS

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