Alexander Moreira de Almeida é médico e doutor em
psiquiatria pela USP – Universidade de São Paulo, coordenador do NEPER – Núcleo
de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e diretor técnico e
clínico do HOJE – Hospital João Evangelista. O fato de registro, é que o doutor
Alexander de Almeida defendeu sua Tese de Doutorado sobre “Fenomenologia das
experiências mediúnicas, perfil e psicopatologia de médiuns espíritas" recorrendo
a dezenas de médiuns espíritas e a varias associações espíritas de São Paulo,
onde concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal de Espiritismo.
Como médico
psiquiatra, o que o levou a escolher tal Tese de trabalho, para o seu
doutoramento: “Fenomenologia das experiências mediúnicas, perfil e
psicopatologia de médiuns espíritas"?
Alexander Moreira de Almeida – A importância que as
vivências mediúnicas tiveram e ainda têm nas diversas civilizações e, mesmo
assim, serem praticamente inexploradas no meio acadêmico.
Como os seus
examinadores e a própria Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
viram a sua Tese de Doutorado?
AMA – Muito bem. Sempre recebi todo o apoio do
Departamento de Psiquiatria da USP, da FAPESP (Fundação de Amparo Á Pesquisa do
Estado de São Paulo), bem como a banca teve uma postura muito científica: -
rigorosa, mas aberta.
E o
orientador da Tese de Doutorado? Quem foi?
AMA – Francisco Lotufo Neto, professor
livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Quem foram
seus examinadores?
AMA – Prof. Dr.. Paulo Dalgalarrondo, Doutor pela
Universidade de Heildelberg (Alemanha), livre-docente em Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Prof. Dr.
Leonardo Caixeta, psiquiatra, doutor em Neurologia pela Universidade de São
Paulo, professor da UFG (Universidade Federal de Goiás); Prof. Homero Vallada,
livre-docente, Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e da
Universidade de Londres, maior especialista em genética psiquiátrica no Brasil
e pelo Prof. Dr. Paulo Rossi Menezes, psiquiatra e epidemiologista, doutor pela
London Universisty, livre-docente da faculdade de Medicina da USP.
Existiu
algum critério específico para a composição da Banca Examinadora?
AMA – Que fossem pesquisadores destacados e que
estudassem áreas relacionadas ao tema da tese.
Durante seu
estudo, verificou por certo o grau de escolaridade dos médiuns espíritas. São
eles incultos e ignorantes como se diz?
AMA – 46,5% dos médiuns tinham escolaridade
superior ou superior com pós-graduação. O Censo Brasileiro de 2000 mostrou que
o Espiritismo é a única religião em que a proporção de adeptos aumenta quanto
maior o nível educacional do segmento estudado.
Os médiuns
espíritas sofrem de transtornos dissociativos, psicóticos ou transtornos de
personalidade múltipla?
AMA – Eles também podem apresentar estes e outros
transtornos mentais, como qualquer indivíduo, no entanto, a prevalência de
problemas psiquiátricos entre os médiuns estudados foi menor que o encontrado
na população geral.
Então os
médiuns espíritas não são esquizofrênicos?
AMA – Não, eles são até mais saudáveis que a
população geral. Isto, apesar de terem muitas vivências alucinatórias e de
influência que normalmente são consideradas como sintomas clássicos de
esquizofrenia.
Como a
mediunidade é vista pela medicina?
A.M.A – Como a expressão de uma manifestação
cultural, religiosa, que não necessariamente é patológica. Sobre a explicação
de sua origem, habitualmente é considerada como um fenômeno dissociativo em que
se manifestam conteúdos do inconsciente do indivíduo. No entanto, estas ideias
são baseadas em muitas opiniões e poucas pesquisas.
A
mediunidade é causa de doenças mentais?
AMA – Apesar de, historicamente, nos últimos 150
anos ter se acreditado nisto, não há evidências a este respeito.
Quais os
possíveis mecanismos neurofisiológicos da mediunidade?
AMA – Desconheço estudos a este respeito, tudo que
eu dissesse seria meramente especulativo.
Alguns
colegas defendem que a glândula pineal é o órgão sensorial da mediunidade.
Sabemos que essa hipótese não é nova. O espírito de André Luiz através do
respeitado médium Francisco Cândido Xavier trouxe de novo a “lume”. Qual a sua
opinião?
AMA – Há uma longa história de associação da pineal
com o Espírito, isto vem desde Descartes. Do ponto de vista científico,
desconheço qualquer estudo trazendo evidências da pineal se relacionar com
mediunidade. Entretanto, sem dúvida é uma interessante hipótese a ser testada.
Sendo médico
e doutor em psiquiatria, o que é a mediunidade?
AMA – Penso que a mediunidade é uma manifestação de
uma habilidade humana que tem estado presente na maioria das civilizações ao
longo da história. A origem destas vivências em muitos casos, acredito, pode
estar realmente no inconsciente dos médiuns. Entretanto, há um considerável
número de casos em que esta explicação é insuficiente, apontando para alguma
fonte externa ao médium.
Como
relaciona psiquiatria, espiritualidade e mediunidade?
AMA – A psiquiatria deve estar interessada numa
visão abrangente e multifacetada do ser humana, assim a espiritualidade deve
ser levada em conta, como todas as demais dimensões da existência humana. Por
fim, a mediunidade é uma vivência que pode nos revelar muito sobre o
funcionamento da mente e sua relação com o corpo. Muitos de nossos trabalhos na
área podem ser acessados na página www.hojenet.org no item “teses &
artigos”.
Como
distingue em seus pacientes “mediunidade” com distúrbios meramente
neuropsicológicos?
AMA – Esta pergunta não admite uma resposta
simples. Faz-se necessária uma avaliação cuidadosa e ampla da pessoa, o que ela
tem vivenciado, suas crenças e seu contexto social e cultural. Em linhas
gerais, para uma certa vivência ser considerada indicativa de um transtorno
mental, deve estar associada a sofrimento, falta de controle sobre sua
ocorrência, gerar incapacitação, coexistir com outros sintomas de transtornos
mentais e não ser aceita pelo grupo cultural ao qual pertence o indivíduo.
Ao receber
um paciente portador de faculdade mediúnica, como conduz o caso?
AMA – Trato o transtorno mental existente além de
recomendar que o paciente continue com suas práticas religiosas. No entanto, se
ele estiver com desequilíbrios mais graves, inicio o tratamento farmacológico e
psicoterápico e solicito o afastamento das atividades mediúnicas. No entanto,
recomendo que continue participando das demais atividades religiosas
(palestras, orações, cultos, passes...).
O seu estudo
reuniu a maior amostra de médiuns espíritas alguma vez investigada na área
médica no mundo. A sua tese já teve repercussões no meio médico ou em algum
centro de investigação universitário? Quais?
AMA – Tenho apresentado os resultados da tese em
congressos científicos no Brasil e nos EUA, como por exemplo o Congresso
Brasileiro de Psiquiatria e International Conference on Mediumship promovido
pela Parapsychology Foundation
Nesses
congressos científicos, como os investigadores brasileiros e norte-americanos
reagiram à sua investigação?
AMA – Muito bem, demonstrando bastante interesse.
Como vê a
doutrina espírita, codificada por Allan Kardec?
AMA – Como uma proposta bem fundamentada de se
fazer uma investigação científica e com bases empíricas de fenômenos antes
considerados metafísicos e fora do alcance da ciência.
O que é o
NEPER – Núcleo de Estudos de Problemas Espirituais e Religiosos do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo?
AMA – É um grupo de estudos interdisciplinar das
relações entre religiosidade saúde. É composto por psiquiatras, neurologistas,
historiadores, psicólogos, antropólogos, filósofos. Não está vinculado a
nenhuma religião, se prende apenas à rigorosa investigação científica nesta
área.
Que mensagem
gostaria de deixar aos médicos europeus?
AMA – Na Europa já existem iniciativas muito
interessantes na área da espiritualidade, como a Fundação BIAL em Portugal, a
Society for Psychical Research e muitos médicos britânicos que investigam o
tema, bem como a disciplina de parapsicologia da Universidade de Edimburgo,
além de iniciativas das Associações Médico-Espíritas. Que continuem se
interessando e investigando cada vez mais as desafiadoras e fascinantes
relações entre espiritualidade e ciência.
DADOS DA INVESTIGAÇÃO
Total: 115 médiuns espíritas
Mulheres: 76,5%
Média de Idade: 48 anos
Desemprego: 2,7%
Curso superior: 46,5%
Média de anos no espiritismo: 16 anos
Possuíam mais de 3 tipos de mediunidade;
Incorporação: 72%
Psicofonia: 66%
Vidência: 63%
Audiência: 32%
Psicografia: 23%
Exerciam a mediunidade por semana: 7 a 14 vezes
PRINCIPAIS CONCLUSÕES
1- Os médiuns espíritas diferiam das
características de portadores de transtornos de personalidade múltipla e
possuíam uma alta média de sintomas de primeira ordem para esquizofrenia, mas
estes não se relacionavam aos escores de outros sintomas psiquiátricos e não se
relacionavam a problemas no trabalho, família ou estudos.
2- A maioria teve o início de suas manifestações
mediúnicas na infância e estas, atualmente, se caracterizam por vivências de
influência ou alucinatórias que não necessariamente implicam num diagnóstico de
esquizofrenia.
3- A mediunidade provavelmente se constitui numa
vivência diferente do transtorno de personalidade múltipla.
Texto: Luís de Almeida